A lanterna de Kyle - Denyse Klette
A madrugada invadia o quarto. O silêncio sussurrava na sua pele. Estava na hora certa para acordar. Levantou, esfregou os olhos e saiu da cama, tendo o cuidado de não deixar o lençol no chão. Saiu do seu quarto e foi direto ao destino de todas as suas madrugadas. Como uma fugitiva, espiou todas as sombras da casa, de modo a não deixá-las saber que por ali ela passava. Diante da grande porta, respirou fundo e sorriu silenciosamente. Abriu a porta e esperou o barulho da ferrugem do trinco não assustar ninguém. Mas ela sempre se assustava.
Venceu o percurso de sua fuga. Alcançou seu maná dos deuses. Diante de si, a biblioteca de seu pai se expandia. Deixou um sorriso sonoro escapar – nunca conseguia prendê-lo diante daquele momento. Agora, buscou o livro que começara a ler há duas semanas. Essa seria a madrugada da conclusão. Aconchegou-se e pôs-se a ler.
Na calada da noite, aquela menininha, sem consentimento dos pais, era feliz. De página em página, se deliciava com a vida.
Livros, livros, livros... Sempre achei que quando se está com problemas, basta ler muitos livros bons para os problemas se resolverem. Agora, só uma pequena curiosidade: por que os pais da menininha a proíbem de freqüentar a biblioteca?
Igor, primeiro obrigada pelos comentários! Bem, eu tinha em mente, quando escrevi esse microconto, uma época anterior à nossa - acho que de algum modo influenciada pelo quadro de Denyse Klette e todos os detalhes da tela. Imaginei que a biblioteca fosse um santuário apenas para adultos e que, talvez, não houvesse livros direcionados a crianças.
Mas toda essa explicação é algo do momento. Uma vez o conto escrito, ele vive por ele mesmo, e as entrelinhas quem deve construir são os leitores... Pelo menos acontece isso com Machado de Assis e tantos outros. Compreende?